A diversão também possui regras: veja os requisitos legais e consequências;
Quando percebemos a chegada das férias, feriado ou até mesmo um final de semana, pode surgir uma viagem com os filhos nos planos.
No entanto, ao se tratar de menores de idade, não é tão simples assim!
Por que há necessidade de autorização?
Quando uma criança ou adolescente menor precisa viajar, seja dentro do país ou ao exterior, são necessários alguns procedimentos envolvendo autorização. Há diversas normas legais que regulam a autorização dos genitores (pais) ou responsáveis, isso porque são consideradas as dificuldades enfrentadas pelas autoridades, cuja função é o controle do trânsito de pessoas no Brasil, principalmente de crianças e adolescentes.
A Resolução n.º 295/2019 do CNJ – Conselho Nacional de Justiça; o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente e o Ministério das Relações Exteriores – deixam claras as normas de viagem para menores, a fim de proteger o menor e assegurar o princípio do melhor interesse da criança.
Uma segunda questão, tão importante quanto, é a prevenção de crimes, como sequestro e tráfico de pessoas, principalmente quando se trata de menores.
Essas questões são protegidas, na prática, pela Polícia Federal, que possui a competência de decidir se crianças e adolescentes brasileiros podem embarcar para o exterior.
Fundamentos legais
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/1990 – ECA) determina que se a criança ou adolescente menor de 16 (dezesseis) anos viajar sem a companhia dos pais ou responsáveis, necessitará de expressa autorização judicial.
Art. 83 do ECA: “Nenhuma criança ou adolescente menor de 16 (dezesseis) anos poderá viajar para fora da comarca onde reside desacompanhado dos pais ou dos responsáveis sem expressa autorização judicial.”
(ECA)
A Resolução n.º 295/2019 do CNJ também traz essa orientação, reproduzindo o texto do artigo 83 do ECA.
Essa autorização pode ser dispensada?
Sim! É o que estabelece o § 1º do art. 83, se:
- A viagem for para comarca contígua à de residência ou dentro da mesma região metropolitana ou unidade federativa: significa que se for viagem para território vizinho, que faz fronteira com a região de residência do menor; ou
- O menor estiver acompanhado de ascendente ou colateral até o terceiro grau ou de pessoa maior previamente autorizada: se o menor estiver acompanhado por pais, ou pelos parentes (irmãos, tios e avós). Para esses parentes, é necessária comprovação documental a respeito do parentesco.
O CNJ, na Resolução n.º 295/2019, também inclui hipótese de dispensa quando:
- A criança ou adolescente menor de 16 anos estiver acompanhado de pessoa maior, expressamente autorizada por mãe, pai, ou responsável, por meio de escritura pública ou de documento particular com firma reconhecida por semelhança ou autenticidade;
- A criança ou o adolescente menor de 16 anos viajar desacompanhado expressamente autorizado por qualquer de seus genitores ou responsável legal, por meio de escritura pública ou de documento particular com firma reconhecida por semelhança ou autenticidade; e
- A criança ou adolescente menor de 16 anos apresentar passaporte válido e que conste expressa autorização para que viajem desacompanhados ao exterior.
O artigo 84 do ECA define sobre a dispensa de autorização em viagem ao exterior em certas hipóteses, como:
- Se o menor estiver acompanhado de ambos os pais; ou
- Apenas de um dos pais com autorização expressa do outro.
Outras normas complementares
A lei n.º 13.812/2019, que trata sobre Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas alterou dispositivos do ECA, sobretudo para mostrar algumas hipóteses de dispensa ou não exigência de autorização judicial para viagens nacionais.
Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas – Lei n.º 13.812/2019
Perceba a seriedade do assunto quando há uma lei específica em torno do desaparecimento de pessoas, inclusive sobre crianças e adolescentes, que, na mesma lei, considera como os menores de 18 (dezoito) anos, não importando a causa do desaparecimento.
Todo o cadastro e documentação no processo de viagens e saídas importam porque logo o artigo 3º da lei n.º 13.812/2019 determina prioridade com caráter de urgência a localização de pessoas desaparecidas, e isso se dá justamente com o diálogo entre órgãos de segurança pública, por meio dos cadastros.
Art. 3º A busca e a localização de pessoas desaparecidas são consideradas prioridade com caráter de urgência pelo poder público e devem ser realizadas preferencialmente por órgãos investigativos especializados, sendo obrigatória a cooperação operacional por meio de cadastro nacional, incluídos órgãos de segurança pública e outras entidades que venham a intervir nesses casos.
(LEI Nº 13.812/2019)
A partir do desaparecimento de um menor, quando a autoridade policial perceber indício de vulnerabilidade da pessoa desaparecida, notifica órgãos competentes – como o Conselho Tutelar – abrindo comunicação aos portos, aeroportos, Polícia Rodoviária e companhias de transporte interestaduais e internacionais, com os dados para identificação da pessoa desaparecida.
Autorização Eletrônica de Viagem – AEV
Essa autorização eletrônica de viagem foi autorizada pelo Conselho Nacional de Justiça, pelo provimento n.º 103 de 04/06/2020, devido à competência do Poder Judiciário para fiscalizar atos notariais e pode ser utilizada apenas quando a autorização judicial é dispensável (casos esses já citados).
- É facultativa: significa que autorizações de viagens emitidas fisicamente continuam válidas;
- É uma autorização instituída pela Corregedoria Geral da Justiça;
- Para crianças e adolescentes até 16 (dezesseis) anos;
- Para viagens nacionais ou internacionais de jovens desacompanhados de um de seus pais ou de ambos, emitida pelo Sistema de Atos Notariais Eletrônicos.
- Custos: o cartório cobrará o valor do reconhecimento de firma por autenticidade para cada responsável que autorizará a viagem do menor na AEV. Essa cobrança será realizada diretamente pelo cartório após receber sua solicitação;
- Para apresentar a autorização eletrônica: pode ser de forma digital, no celular de um dos viajantes, ou mesmo impressa;
- A assinatura da autorização: segundo o artigo 6º, do provimento nº 103, é necessária a realização de videoconferência notarial para confirmação da identidade e da autoria daquele que assina, a utilização da assinatura digital notarizada pelas partes e a assinatura do Tabelião de Notas com o uso do certificado digital;
- Prazo de validade do documento: deverá constar o prazo de validade, e, em caso de omissão, a validade será de dois anos.
Os modelos de autorização podem ser encontrados na página no Governo Federal https://www.gov.br/mre/pt-br/consulado-chicago/servicos-consulares/autorizacao-de-viagem-para-menores
Viajar sem autorização – consequências sérias!
Âmbito cível
Cabe pedido de busca e restituição ou retorno, conforme a Convenção de Haia.
Âmbito administrativo
Impedimento do embarque pela companhia aérea e, principalmente, pela Polícia Federal.
Âmbito penal
- O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – prevê no artigo 237, o crime de subtração de criança ou adolescente ao poder de quem o tem sob sua guarda em virtude de lei ou ordem judicial, com o fim de colocação em lar substituto, com pena de reclusão de dois a seis anos, e multa;
- Já no Código Penal, no artigo 249, há o crime de subtração de incapaz: subtrair menor de dezoito anos ou interdito ao poder de quem o tem sob sua guarda em virtude de lei ou de ordem judicial, como o caso de pais divorciados, por exemplo, com pena de detenção, de dois meses a dois anos, se o fato não constitui elemento de outro crime, ou seja, se não houver outro crime cometido.
E se o agente é pai, tutor ou curador e não tem, temporariamente, poder sobre o menor? A pena é aplicada da mesma forma!
Há possibilidade da pena não ser aplicada? Sim! No caso de restituição do menor ou do interdito, se este não sofreu maus-tratos ou privações, o juiz pode deixar de aplicar pena. É o denominado “perdão judicial”, desde que o menor seja restituído de forma voluntária pelo agente (sem intervenção da polícia).
- Em casos mais graves, como manutenção em cárcere privado, privação de liberdade, incidirá nas penas maiores do crime de sequestro e cárcere privado, que, no caso de a vítima ser menor de 18 anos, a pena é de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e, se resultar maus-tratos ou mesmo grave sofrimento físico/moral em razão do cárcere, incidirá em reclusão de 2 (dois) a 8 (oito) anos.
Decisão recente: exemplo
Uma decisão no Tribunal de Justiça de Minas Gerais -TJ-MG – Apelação Cível: XXXXX-77.2023.8.13.0313 1.0000.24.210335-6/001 negou o recurso para fixação de residência em outro país, em que havia alegação do melhor interesse da criança e proteção integral.
Houve pedido para que fosse desconsiderada a autorização do pai para que o menor morasse com sua mãe no exterior, por estes terem sempre residido juntos. Consta no pedido que poderia ser dispensada a autorização por apresentarem intenção da mudança quando ainda eram casados. No entanto, o ECA exige autorização judicial para esses casos.
Na decisão consta a importância da autorização judicial e do pai para a saída do menor para outro país, pois o artigo 227 da Constituição Federal estabelece:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
(CONSTITUIÇÃO FEDERAL)
Assim, o Estado, por meio de um juiz, consegue proporcionar oportunidades e facilidades, oferecendo o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, além de prezar pela segurança da criança e do adolescente.
Outro argumento utilizado pelo julgador foi de que o pai não é favorável à mudança da criança, pelo vínculo ser prejudicado devido à distância física, com a redução de encontros entre o pai e a menor, assim como haverá privação de convivência com a família paterna, escola e vizinhança. Significa dizer que não faz parte do melhor interesse da criança, o que foi determinante para negar os pedidos da mãe.
Conclusão
Embora haja uma legislação vasta, instrumentos oficiais para proteção de crianças e adolescentes, no que diz respeito ao sequestro, à subtração de menores e consequentemente, crime de tráfico de menores, são penas que não correspondem à gravidade dos crimes.
Ainda são necessárias intervenções estatais maiores, e, principalmente, endurecimento de penas devido ao elevadíssimo índice de sequestro e tráfico de pessoas no mundo, inclusive.
