Prepare-se: a próxima geração de carros brasileiros promete ser mais segura, mais limpa, mais tecnológica – e mais cara. Entrou em vigor neste mês o Decreto nº 12.435, que regulamenta o Programa Mover, sigla para Mobilidade Verde e Inovação. Na prática, ele substitui o antigo Rota 2030 e dá início a um novo capítulo na indústria automotiva nacional.
O que muda? Quase tudo. “É um Rota 2030 repaginado, com grande ênfase ao próprio veículo”, define o consultor automotivo Milad Kalume. “Vamos ter carros mais seguros, com melhor qualidade de construção, e cada vez mais qualificados para exportação.”
Para se ter uma ideia, as projeções de mercado da Bright Consulting indicam que essa transformação já está em curso: até meados de 2027, ao menos dois em cada quatro veículos comercializados no Brasil já contarão com boa parte das tecnologias inovadoras do Grupo C – que inclui sistemas como manutenção ativa em faixa, sensores de ponto cego e piloto automático adaptativo.
Carros mais sustentáveis: da produção ao descarte
Uma das grandes novidades do Mover é o olhar mais completo sobre o impacto ambiental dos veículos. Se antes a eficiência energética era medida só pelo que o carro consumia ao rodar, agora a conta ficou bem mais complexa.
O decreto exige que as montadoras passem a medir o ciclo completo, “do poço à roda” (da extração do combustível ao seu uso) e, a partir de 2027, “do berço ao túmulo” – ou seja, do início da produção ao descarte do veículo.
Isso inclui medir a pegada de carbono do carro e até a origem dos componentes usados em sua construção. “É quando a gente começa a olhar também para o que acontece antes de o carro sair da fábrica e depois que ele é descartado”, explica Kalume.
Além disso, o Mover exige metas de reciclabilidade dos veículos, algo inédito no Brasil. Montadoras terão que declarar compromissos e inventariar a pegada de carbono das plantas de produção. O programa até permite que fabricantes comprem sucatas e veículos usados para reciclar como forma de compensar emissões.
Mais segurança, mais tecnologia
Se o carro vai ser mais limpo, ele também vai ser mais inteligente. O Mover dobra a aposta nos sistemas de segurança e assistência à condução. De acordo com a Bright Consulting, o número de requisitos obrigatórios de segurança passou de sete para 15, incluindo aviso de mudança de faixa, frenagem automática de emergência, sensores de ponto cego e piloto automático adaptativo. Todos os modelos precisarão cumprir esses requisitos até outubro de 2027.
“Você vai ter um carro que protege mais quem está dentro e também quem está fora dele”, resume Kalume. “O foco não é só o motorista, mas todo o ecossistema ao redor do carro – pedestres, ciclistas, outros motoristas.”
Preço ‘de ponta’
A má notícia: carros mais tecnológicos custam mais caro. Mesmo com os incentivos fiscais previstos pelo Mover – como descontos de impostos atrelados ao desempenho ambiental e de segurança -, é difícil escapar de algum aumento nos preços.
“Os descontos ajudam, mas há muitos testes e sistemas que precisarão ser implementados. Os carros vão ficar mais caros, sim”, admite Kalume.
O consultor explica que o Mover funciona com múltiplos níveis de exigência. Se um carro atingir metas ambiciosas de emissão e segurança, recebe maiores benefícios fiscais. Mas se falhar em cumprir parâmetros mínimos, pode até ser impedido de ser vendido.
“É um sistema extremamente complexo, mas que busca premiar quem se antecipa e cumpre as regras”, diz ele. Na prática, isso deve provocar uma corrida tecnológica entre as montadoras.
E o consumidor, como fica?
Para o motorista brasileiro, o impacto será gradual, mas perceptível. A Bright Consulting estima que até 2027, metade dos carros vendidos no país já contará com boa parte das tecnologias previstas pelo Mover. A frota vai se tornando mais moderna, aos poucos – e, ao mesmo tempo, mais conectada com as exigências internacionais.
Mas essa transformação não virá sozinha. “Nunca tivemos tanto dinheiro disponível para pesquisa e desenvolvimento na indústria automotiva brasileira”, lembra Kalume. São R$ 19,3 bilhões em incentivos previstos até 2028. E isso pode transformar o Brasil em um polo de inovação mais competitivo globalmente.
Afinal, os chineses estão aí, abalando o mercado com seus carros elétricos recheados de tecnologia e preços agressivos. O Mover tenta reagir a esse cenário com um plano de longo prazo – mais exigente, mais técnico e também mais promissor.
Resumo da ópera: o que muda nos carros?
Mais segurança: novos itens obrigatórios como frenagem automática e aviso de mudança de faixa.
Mais sustentabilidade: medições mais rigorosas de emissões, inclusive da cadeia produtiva.
Mais exigência tecnológica: conectividade, sensores e padrões de construção mais sofisticados.
Mais custo (mas com incentivos): os carros devem ficar mais caros, mas com incentivos fiscais atrelados à performance ambiental e tecnológica.
Mais pressão sobre montadoras: quem não cumprir as regras, pode nem conseguir vender o carro.
Concorrência: briga de preços e tecnologias para ver quem oferece o melhor pacote ao consumidor.
A pergunta que fica: será que, com o preço dos carros nas alturas, o brasileiro está pronto para pagar mais por um veículo que promete entregar muito mais?…