O Conselho Nacional de Trânsito (Contran) aprovou, por unanimidade, a resolução que muda por completo o processo de obtenção da Carteira Nacional de Habilitação nas categorias A (moto) e B (carro) no Brasil. O Ministério dos Transportes divulgou as linhas gerais da mudança, destacando a possibilidade de redução de até 80% no custo da CNH e a retirada da obrigatoriedade de autoescola.
Mas o acesso à íntegra da Resolução Contran nº 1.020, documento de 33 páginas que ainda não foi publicado no Diário Oficial, e que traz detalhes importantes que não aparecem no comunicado oficial…
A leitura do texto revela uma reestruturação profunda: desde o curso teórico até a emissão automática da CNH definitiva, passando por novas regras de avaliação, possibilidade de exames remotos, flexibilização das aulas práticas e autorização para instrutores autônomos…
As mudanças motivaram reação imediata das autoescolas, que afirmam que o governo atropelou o setor e prometem judicializar. A seguir, explicamos o que realmente muda, o que o governo não disse e o que o próprio setor planeja fazer para tentar barrar a resolução.
Como o processo passa a funcionar
A nova resolução reorganiza o processo de habilitação em etapas mais simples. A primeira grande mudança está no curso teórico, que agora será gratuito, digital e sem carga horária mínima quando realizado pela plataforma do Ministério dos Transportes. Autoescolas continuam podendo oferecer o curso, mas deixam de ser o caminho obrigatório.
Depois do curso, o candidato faz a prova teórica, que agora pode ocorrer presencialmente, no modelo híbrido ou até de forma remota, com monitoramento eletrônico, a depender da escolha dos órgãos regionais. Em caso de reprovação, a segunda tentativa é gratuita, tanto no teórico quanto no prático.
Autoescola deixa de ser obrigatória, mas aulas práticas permanecem
O texto determina que o aluno deve cumprir apenas duas horas obrigatórias de prática, número bem menor que as 20 horas exigidas hoje. Essas aulas podem ser realizadas com:
instrutores de autoescola;
instrutores de órgãos do Sistema Nacional de Trânsito;
instrutores vinculados a Escolas Públicas de Trânsito (unidades mantidas pelos órgãos estaduais de trânsito que oferecem cursos gratuitos ou de baixo custo para formação, atualização e educação para o trânsito para determinados públicos);
ou instrutores autônomos, oficialmente autorizados pela primeira vez.
O uso do veículo do próprio candidato ou de terceiros passa a ser permitido tanto na aula quanto no exame. A resolução não exige a presença de duplo comando, item de segurança que era obrigatório nas autoescolas. Também não existe exigência de que o carro seja manual.
As aulas práticas só poderão ocorrer com o candidato portando sua Licença de Aprendizagem nos termos, horários e locais estabelecidos pelo órgão ou entidade executiva de trânsito e sob acompanhamento e supervisão permanente de instrutor de trânsito devidamente autorizado pelo órgão ou entidade executiva de trânsito competente. Ou seja, o aluno não poderá aprender com familiares ou amigos.
Como será o exame prático
O exame também muda de formato. O avaliador deixa de trabalhar com “faltas eliminatórias” e passa a aplicar um sistema de pontuação por infrações:
leve: 1 ponto
média: 2 pontos
grave: 4 pontos
gravíssima: 6 pontos
O candidato é aprovado se concluir com até 10 pontos. A prova poderá ser monitorada eletronicamente, e a comissão examinadora passa a ser formada por três integrantes, uma mudança que, segundo a resolução, amplia a responsabilidade e reduz a margem de contestação.
O que muda depois da aprovação no exame
A Permissão para Dirigir (PPD) e a CNH definitiva passam a ser emitidas automaticamente, sem necessidade de solicitação do candidato. Se em 12 meses após a permissão não houver infração grave ou gravíssima com decisão administrativa definitiva, a CNH é emitida sem que o condutor precise pedir.
Outro ponto pouco divulgado é a possibilidade de que escolas de Ensino Médio que aderirem ao Programa Nacional de Educação para o Trânsito ofereçam o curso teórico como atividade extracurricular. Ou seja, o aluno pode sair da escola já apto para as etapas clínicas e práticas.
Por que as autoescolas vão ao STF
A Feneauto enviou nota ao afirmando que a reunião do Contran ocorreu “sem diálogo e sem aviso prévio”, que o setor foi ignorado e que a resolução cria “insegurança jurídica”. Entre as críticas estão:
autorização do instrutor autônomo;
permissão para aulas e exames em veículos sem duplo comando;
extinção das funções pedagógicas previstas em resolução anterior;
mudanças que, segundo a entidade, deveriam passar pelo Legislativo.
A federação afirmou que a CNC (Confederação Nacional do Comércio) ingressará no STF para contestar a resolução e que um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) será apresentado na Câmara para suspender seus efeitos.
Já o governo afirma que a resolução cobre tudo o que o Código de Trânsito Brasileiro já previa, porém, agora sem tanta burocracia.
Quando tudo isso passa a valer?
Apesar da aprovação por unanimidade, a resolução ainda não foi publicada no Diário Oficial. Só entra em vigor após essa etapa, o que significa que a judicialização pode ocorrer antes mesmo de o texto produzir efeito prático.
