A estrutura tributária sobre veículos no Brasil está prestes a passar por uma das mudanças mais relevantes das últimas décadas.
E não é por acaso: hoje, quem compra um carro zero-quilômetro fabricado no país paga entre 35% e 40% de imposto, uma das cargas mais altas do mundo. Reduzir esse percentual é uma demanda antiga da indústria e da sociedade. Afinal, carros mais baratos poderiam gerar mais vendas, aumentar a escala de produção, baixar os custos e até impulsionar a arrecadação.
A Reforma Tributária era uma das grandes esperanças para o setor, já que a expectativa é que o IVA, imposto único, fique na casa dos 28%, uma redução considerável em relação ao cenário atual. No entanto, o segmento de veículos foi penalizado pelo Imposto Seletivo – destinado a produtos nocivos à saúde ou ao meio ambiente -, cuja alíquota ainda está em discussão. A realidade é que, no momento, ainda não se sabe se a carga tributária dos automóveis ficará maior, menor ou igual à do momento atual.
Outro elemento entra nesse panorama: a implementação do programa Mover (Mobilidade Verde e Inovação) e o anúncio iminente das novas alíquotas do chamado “IPI Verde”. Mas a grande dúvida é: todas essas mudanças vão tornar o mercado mais competitivo ou mais travado?
IPI Verde e novo carro ‘popular’
O IPI Verde é uma reformulação do tradicional IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), com foco em critérios ambientais. A proposta é que ele passe a considerar fatores como eficiência energética, nível de emissões, facilidade de reciclagem e uso de combustíveis renováveis para definir a alíquota sobre cada modelo de carro.
A medida vem do pacote Mover, sancionado este ano, que busca incentivar a transição para uma mobilidade mais sustentável.
Até o momento, o governo ainda não anunciou oficialmente quais serão as novas alíquotas, mas a expectativa é de que o anúncio ocorra nos próximos dias. O novo modelo irá substituir o antigo sistema baseado na cilindrada do motor (como a diferenciação entre carros 1.0 e 2.0, por exemplo), que moldou as decisões da indústria por anos, como o investimento pesado em motores 1.0 turbo para manter os custos tributários mais baixos…
Dentro dessa proposta está a criação de uma categoria de “carro sustentável”, ainda sem definição pelo governo, para retomar o conceito de carro “popular” que surgiu no início da década de 1990.
A ideia é oferecer isenção total de IPI para modelos de entrada, com baixo consumo, motor de até 1.0, movidos a combustíveis renováveis (como o etanol) e produzidos no Brasil. A isenção seria válida até o final de 2026, e a medida está sendo pensada como uma forma de estimular as vendas e conter a desaceleração da indústria. O anúncio é esperado para esta semana.
O incentivo valerá para pessoas físicas e jurídicas, como locadoras e frotistas, mas pode acabar beneficiando mais o segundo grupo, já que a taxa de juros atual é uma das maiores da história, dificultando o cenário para o cidadão comum.
‘Estamos em uma encruzilhada’
Para Rogélio Golfarb, ex-vice-presidente da Ford Brasil, ex-presidente da Anfavea e um dos nomes mais experientes do setor, a indústria automotiva nacional vive um momento decisivo. Em entrevista a esta coluna, ele afirma:
“Estamos em uma encruzilhada porque toda a estrutura tributária do setor automotivo vai mudar. E ainda não se sabe se para o bem ou para o mal”.
Segundo ele, o Brasil já trabalha com uma das maiores cargas tributárias sobre automóveis do mundo, além de enfrentar juros reais elevados e uma escalada de custos para adaptar a produção às novas exigências de emissões e segurança. Ao mesmo tempo, a concorrência com veículos importados, especialmente os elétricos chineses, intensifica-se.
“Quem produz aqui está pressionado. A produção local vai ter que investir em eletrificação e digitalização, mas também precisa lidar com juros altos e impostos pesados. Por exemplo, hoje a indústria brasileira não produz híbrido plug in, que é o desejo do consumidor. Temos pouquíssimos híbridos plenos. É preciso investir em tecnologia”.
Golfarb lembra ainda que, enquanto as montadoras nacionais lutam para fazer a transição tecnológica, marcas estrangeiras chegam com produtos mais modernos, mais conectados e com benefícios agressivos ao consumidor, pois o custo de produção é menor no país de origem.
“Se vier mais carga tributária, em um momento desses, ficará muito complicado para a indústria nacional”, alerta.
Outro desafio citado é a falta de escala. Em 2013, o Brasil chegou a produzir 3,7 milhões de veículos. Em 2024, a projeção foi revisada para cerca de 2,8 milhões.
“A indústria precisa de escala, é o ar que ela respira. E escala depende de um ambiente que permita vender mais, não menos”.
Golfarb defende que a definição da nova carga tributária seja tratada como uma decisão estratégica para o país.
“Se trabalharmos com uma carga mais alinhada à média global, podemos ganhar competitividade, aumentar vendas, atrair investimento e até arrecadar mais. Mas, se errarmos, vamos perder relevância, mercado e capacidade produtiva”.