É comum vermos histórias de pessoas centenárias que, mesmo com hábitos considerados nada saudáveis, como fumar, beber ou ter uma vida sedentária, chegam à idade avançada esbanjando saúde. Casos assim levantam uma dúvida: afinal, viver muito depende mais das escolhas de vida ou de uma espécie de “sorte genética”?
De acordo com especialistas, tanto a genética quanto o estilo de vida têm papel essencial na longevidade. No entanto, a proporção do impacto de cada fator muda de acordo com a idade que se espera alcançar.
“Para atingir idades como 80 ou 90 anos, pesquisas sugerem que as escolhas de estilo de vida desempenham um papel predominante”, explica Yghor Pinhão, médico atuante em nutriendocrinologia funcional e longevidade humana no Instituto Nutrindo Ideais.
No entanto, quando o objetivo é ultrapassar a barreira dos 100 anos, segundo ele, o cenário muda drasticamente, e a genética assume um papel muito mais crucial. “Em ambos os casos, porém, tanto um bom estilo de vida quanto uma genética privilegiada irão mitigar o risco de surgimento de doenças potencialmente fatais”, diz…
O papel da genética na longevidade
Um estudo publicado no periódico Immunity & Ageing em 2016 analisou o papel dos dois fatores para uma vida longeva. Segundo a pesquisa, cerca de 25% da variação na longevidade pode ser atribuída a fatores genéticos, especialmente genes ligados à manutenção celular, reparo do DNA, metabolismo básico e resposta ao estresse.
Porém, esses genes podem ser influenciados diretamente pelo ambiente. “Tais modificações são impactadas por elementos como dieta, poluição, estresse crônico e estilo de vida, podendo modular a suscetibilidade a doenças crônicas e influenciar o ritmo do envelhecimento”, detalha Alexandre Lucidi, mestrado em neurologia pela Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro).
Isso quer dizer que, se uma pessoa tem “bons genes”, mas não se cuida adequadamente ou está exposta a fatores que prejudicam seus genes, pode ter problemas de saúde que interferem diretamente na longevidade. “Se a pessoa não fizer as suas boas escolhas e não se cuidar, ela não vai poder usufruir desse ‘patrimônio genético’ e muito provavelmente vai ter algum tipo de problema nesse meio tempo”, acrescenta Natan Chehter, clínico geral e geriatra membro da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia…
Os casos de “privilégio genético”
Pessoas que passam dos 100 anos mesmo fumando, bebendo ou tendo um estilo de vida que possa prejudicar os seus genes podem ser consideradas uma exceção —e que têm uma genética extremamente privilegiada.
A explicação reside na presença de variantes genéticas especiais que conferem proteção contra doenças comuns relacionadas ao envelhecimento, como doenças cardíacas, câncer e demência. “Essas variantes genéticas podem não apenas reduzir o risco de desenvolver essas condições, como também neutralizar parcialmente os efeitos negativos de comportamentos não saudáveis”, acrescenta Pinhão…
Os médicos explicam que algumas variantes genéticas estão associadas à regulação do estresse oxidativo, à resposta inflamatória e à proteção contra doenças crônicas, características frequentemente presentes em centenários.
“Esses casos, embora raros, ilustram a relevância de perfis genéticos e epigenéticos (alterações que regulam a atividade dos genes influenciadas pelo estilo de vida) específicos na longevidade. No entanto, não invalidam a ampla evidência de que fatores comportamentais e ambientais — como dieta, atividade física e suporte social — permanecem determinantes centrais para a maioria da população”, diz Lucidi.
Ao mesmo tempo, muitas pessoas seguem uma vida extremamente regrada e podem morrer jovens. Isso significa que, embora práticas saudáveis reduzam significativamente o risco de diversas enfermidades, a predisposição genética pode levar ao desenvolvimento de condições que não são completamente evitáveis apenas por meio de comportamentos saudáveis…
Longevidade significa envelhecer bem e com saúde
Um princípio importante para a longevidade não está relacionado apenas a atingir idades muito avançadas, mas a envelhecer com saúde.
“Se a pessoa tem uma dieta equilibrada, pratica exercícios, evita drogas, tem um sono bom e tem boas relações, independentemente de se vai viver até os 85 ou até os 100, a gente sabe que essas medidas garantem uma maior qualidade de vida”, fala Chehter. Assim, o caminho para uma vida longeva e com qualidade passa, sim, pela adoção de bons hábitos, já que ter uma genética privilegiada é mais uma questão de “sorte”…
Além de evitar tabaco e drogas, dormir bem e praticar atividades físicas, a nutrição tem papel crucial nesse sentido. “As recomendações mais importantes são adotar uma dieta rica em frutas, verduras e grãos integrais, além de consultar o médico regularmente para prevenir e tratar possíveis problemas de saúde”, acrescenta o nutrólogo Felipe Grazoni, pós-graduado pela Abran (Associação Brasileira de Nutrologia) em obesidade e sarcopenia…
Além disso, vínculos sociais consistentes e suporte emocional adequado exercem papel protetivo frente ao adoecimento, assim como a capacidade de resiliência para lidar com o estresse…