Imagine entrar em um carro de aplicativo e dar de cara com um adesivo que lista uma série de “regras”, incluindo frases como: “sem mexer no rádio”, “sem ensinar o motorista a dirigir” e “entra, cala a boca e se segura”.
Essa foi a situação vivida por Ana Souza, 32 anos, quando pediu um carro de aplicativo em São Paulo.
“Fiquei surpresa e, de certa forma, assustada. A gente já fica apreensiva em uma corrida. Quando vi aquele adesivo, comecei a me perguntar se o motorista estava mesmo tão bravo assim”, comenta Ana, com uma risada nervosa.
A moda dos adesivos com frases divertidas – e muitas vezes sarcásticas – tem ganhado popularidade, não só entre motoristas de aplicativos e taxistas, mas também entre motoristas particulares.
Eles utilizam esses adesivos como uma forma de impor algumas “regras” para os passageiros e, talvez, deixar o trajeto mais leve e bem-humorado.
Contudo, para algumas pessoas, como Ana, o tom pode ser interpretado de maneira negativa.
Adesivo é encontrado facilmente na internet
O que antes era restrito ao círculo de motoristas mais bem-humorados, agora se transformou em tendência, aparecendo em carros de passeio pelas ruas das grandes cidades.
Os adesivos de “regras”, cujo par pode ser encontrado por cerca de R$ 15 em sites de comércio eletrônico, servem como um lembrete irônico das interações frequentemente frustrantes entre condutores e passageiros.
Alguns motoristas dizem que são uma forma de aliviar o estresse.
“É uma piada, mas ao mesmo tempo, um pedido para que o passageiro não interfira tanto. Sabe, tem gente que acha que sabe mais do que o motorista, fica mudando o ar, mexendo no rádio”, comenta Cláudio Moreira, motorista de aplicativo há cinco anos.
No entanto, o impacto que esses adesivos têm sobre a percepção dos passageiros ainda é um ponto a ser discutido.
Muitos, como Ana, acabam interpretando a brincadeira como um sinal de mau humor ou inflexibilidade, criando um clima desconfortável já na entrada do carro.
O que diz a lei?
Para além das reações de quem vê o adesivo, há também uma questão importante: até que ponto isso é permitido pela legislação de trânsito?
Conversamos com o advogado Marco Fabrício Vieira, assessor da presidência da CET-Santos e membro da Câmara Temática de Esforço Legal do Contran (Conselho Nacional de Trânsito), para entender as regras.
Segundo Vieira, não há proibição específica quanto ao uso desses adesivos de forma geral, desde que não interfiram na segurança do trânsito.
“A aplicação de qualquer adesivo é regulada pela Resolução Contran nº 960/2022, que estabelece os requisitos de segurança para vidros, visibilidade e o uso de películas em veículos. O que é proibido é a colocação de adesivos em áreas que comprometam a visibilidade e a dirigibilidade, como o para-brisa e os vidros laterais dianteiros”, explica.
Ele também destaca que adesivos nas demais áreas do veículo são permitidos, desde que respeitem o índice de transmitância luminosa dos vidros e não comprometam a segurança.
Caso contrário, o motorista pode ser penalizado com multa de natureza grave, no valor de R$ 195,23, além de receber 5 pontos na carteira e ter o veículo retido para regularização.
Por outro lado, Vieira ressalta que o uso de adesivos em veículos também pode ser mais flexível em certos casos, como os que indicam pessoas com deficiência, tags de concessionária ou aqueles usados por entidades de classe, desde que não afetem a dirigibilidade.
Humor ou desconforto?
Apesar de não haver uma proibição para esses adesivos “divertidos”, eles abrem espaço para uma reflexão: até onde a piada é vista como leveza e em que momento pode causar desconforto?
Para Ana, a experiência foi estranha. “Eu achei engraçado depois, mas no momento me deixou mais nervosa do que tranquila”, afirma.
No final, os adesivos se tornaram um fenômeno cultural curioso.
Eles dividem opiniões entre os que veem neles uma forma de aliviar tensões e aqueles que sentem que os limites do humor e da hospitalidade no transporte estão sendo testados.
“Não dá para agradar a todos, mas acho que é um jeito de mostrar que o motorista também quer um pouco de paz e respeito. Mas confesso que, como profissional, escolhi uma versão um pouco menos ousada”, reflete Cláudio.
Em tempos de convivência cada vez mais rápida e interações reduzidas, esses adesivos se tornam um espelho do quanto a dinâmica no trânsito ainda rende boas histórias.